Goste-se ou não do matemático e estatístico Nassim Nicholas Taleb, seu livro A estratégia do cisne negro pode trazer uma série de insights, não só para o mercado financeiro, sua área de atuação inicial, e onde enriqueceu o suficiente para adquirir, precocemente, independência financeira e intelectual.
Isso o possibilitou produzir uma obra original, cuja notoriedade pública, tanto para o bem, quanto para o mal, foi alcançada em 2007, com o livro citado.
De maneira superficial, cisnes negros são eventos raros e, sobretudo, imprevisíveis, que alteram bruscamente a ordem das coisas, e, principalmente, desafiam os modelos preditivos, construídos com base na indução (combinação de evidências presentes), alterando significativamente, assim, todas as certezas com as quais convivemos e sobre as quais projetamos o futuro.
São cisnes negros o atentado de Nova Iorque em 11 de setembro de 2001, o tsunami do Oceano Índico em 26 de dezembro de 2004, o abandono dos pedreiros da obra de Dona Maria em 19 de agosto de 2019.
O longo ciclo de compra de materiais de construção para obras residenciais desafia, sobremaneira, a capacidade de planejamento das famílias, e, as variáveis envolvidas em número absurdamente maior do que em outros segmentos, geram um ambiente propicio para imprevistos que alterem, dramaticamente, o curso planejado da obra e da vida das pessoas.
A hipotética Dona Maria, por exemplo, não fazia ideia de que cruzando dados da PNAD Contínua do IBGE com os do Mistério do Trabalho, seria possível concluir que, aproximadamente, 69,5% dos trabalhadores na Construção Civil atuam na informalidade, muito acima do índice geral dos trabalhadores brasileiros, em 41,4%.
Isso, certamente, acarreta uma série de problemas para os contratantes – sem contratos formais, claro! –, como, por exemplo, baixa produtividade, retrabalhos, absenteísmo, ou, até mesmo, para desespero de Dona Maria, abandono da obra.
Esse desespero é ainda maior, pois ela, seu marido, a filha mais velha e o caçula Jonathan, de apenas quatro anos e que passa meio período na escolinha, a exemplo da maioria dos brasileiros que reformam estão residindo na obra, em meio a bateção de marretas, parede que desabou (não estava previsto derrubá-la), gente pouco qualificada circulando no meio de um caos de sujeira, poeira, escombros… Até desaparecerem.
Segundo dados recentes do Painel Comportamental do Consumo de Materiais de Construção 2019, que entrevistou 932 consumidores que haviam realizado grandes reformas residenciais no último ano, 81,6% dos entrevistados permaneceram na residência durante a obra. Como Dona Maria e sua família.
A filha mais velha, Cristiane, quando chegou da faculdade e se deparou com a obra parada, disse que não aguentava mais “esse inferno!” e que passaria a morar na casa da família do namorado, que tem um quarto próprio, e, principalmente, limpo e sem poeira. Dona Maria e seu marido, já desgostosos do nível de envolvimento da filha com o Ditinho, temiam por uma gravidez indesejável… “Esse marginal ainda vai complicar o futuro de nossa menina”, sempre disse Seu Adalberto.
Aliás, quando planejaram a obra, comprometendo todos os recursos financeiros que tinham e que não tinham na tão sonhada revigoração do lar, apostaram, também, na revigoração do próprio casamento, cada vez mais conflituoso e frio.
Mas, e agora? Eles já tinham pago adiantado o empreiteiro, que nessa hora já devia estar em outra obra, ou, vai saber… E a conta na Loja de Bairro próxima? E o home center que suspendeu a entrega dos pisos e azulejos? E a falta de ar do Jonathan, que começou a apresentar uma tose estranha? E a Cristiane que não dá notícias faz mais de dois meses? Quanto tempo ainda eles se suportarão no lar semi-destruído?
Quem faz obras residenciais somente se expõem a todos os riscos inerentes, pois, no íntimo, tem um sonho, um desejo de renovação da própria vida e da vida dos familiares, e, planeja um futuro melhor para todos. Provavelmente, nenhum ato de consumo faz com que as pessoas arrisquem tanto a própria pele, quanto o de materiais de construção para obras residenciais, que corresponde a, aproximadamente, 70% do sell out do setor, segundo estimativas DataMkt Construção.
Podemos até escutar os consumidores dizendo: “Mal abri a caixa de meu smartphone e ele já travou. Vou trocá-lo agora!”. “Aquela calça me caiu tão bem no provador, mas, em casa, me fez parecer uma elefanta. Vou trocá-la agora!”. “O carro nem tem 1.000 Kms e já começou a fazer um barulho na roda. Vou levá-lo para a revisão agora!”. “O piso cerâmico que Seu Dalmir acabou de colocar na casa inteira começou a trincar. Meu Deus!”.
Mas, talvez, o próprio Taleb forneça algumas pistas sobre as oportunidades mercadológicas diante da iminência de imprevistos numa obra residencial. Segundo o autor, não devemos apostar todas as fichas naquilo que já conhecemos, ou, numa região denominada “Mediocristão”. Mas, sim, devemos nos expor, e apostar a maior parte das fichas naquilo que já conhecemos, mas outra parte, a menor, em eventos improváveis, numa região que poderá trazer maiores ganhos, denominada “Extremistão”.
Ou, ao invés exclusivamente da dedicação na excelência da fabricação, distribuição, operação, exposição, atendimento, entrega etc., que todas as principais marcas do setor buscam incessantemente – no Mediocristão isso poderia se chamar commodities –, contemplar, analisar e desenvolver soluções aonde ninguém mais pensou em contemplá-las, analisá-las e desenvolvê-las, como, por exemplo, num programa de reposição imediata de mão de obra (no caso de não contratação junto a compra). Ou, na suspensão de parcelas de pagamento das compras por um mês diante de determinados imprevistos. Ou, na devolução dos materiais de construção e reembolso mediante determinada taxa…
Não importa a situação, pois esse é apenas um exemplo, entre tantos outros possíveis. O fato é que basta analisar atentamente a longa jornada de compras dos consumidores de materiais de construção, para constatar as inúmeras oportunidades de crescimento do faturamento das empresas do setor em tudo aquilo que não é previsto. Naquilo que conhecemos que desconhecemos.
Em tempo, a Cristiane voltou. E está grávida.